São Pedro de Moel é a minha praia de eleição. Local de recordações de infância, onde tive o prazer de colaborar com a Casa-Museu Afonso Lopes Vieira, onde as suas geométricas ruas nos conduzem invariavelmente a um rosto (marinhense) nosso conhecido.
O Grupo Leya celebrou um acordo com o Google com o objectivo de disponibilizar excertos de obras portuguesas para promover a Língua e a Cultura portuguesas.
Manuel Alegre, Rodrigo Guedes de Carvalho, Inês Pedrosa e Alice Vieira, são apenas alguns dos autores que já estão em http://books.google.pt.
Este é o único acordo, nos últimos anos, que promove verdadeiramente a Língua de Camões.
O aborto, que consiste interrupção provocada da gravidez, é tratado no Código Penal, nos artigos 140º e seguintes, dos crimes contra a vida intra-uterina.
Cumpre saber se esta é uma questão jurídica, fundamental para a convivência da sociedade e para a prossecução do bem comum, ou se se trata de uma questão da vida moral, da ordem de consciências, visando o aperfeiçoamento dos indivíduos, orientando-os para o bem.
A questão do aborto, em meu entender, remete para o artigo 24º da Constituição, segundo o qual a vida humana é inviolável, uma pedra basilar num Estado de Direitos Humanos. Ainda que os artigos 66º e 68º do Código Civil só atribuam personalidade jurídica após o nascimento completo e com vida, é inegável que há vida humana, quando falamos de nascituros. Desde a sua concepção emerge um ser dotado de uma estrutura e de uma dinâmica humana autónoma, embora funcionalmente dependente da mãe. O nascituro é considerado como um bem juridicamente protegido, tanto mais que o legislador no artigo 24º CRP não distinguiu a vida extra-uterina. Aliás o Código Civil dedica-lhes alguns artigos, o 952º, 2033º, 1878º, 2240º/2. Tal não significa que deva ser dispensada uma tutela jurídico-penal idêntica em todas as fases da vida, e que tal tutela seja absoluta, como disso é exemplo o regime da interrupção voluntária da gravidez. No entanto, por se tratar de um bem protegido juridicamente, esta é uma questão jurídica, que apesar de autónoma da moral, a intersecta.
A distinção entre direito e moral não é linear. Se desde as eras primitivas, passando pela civilização greco-romana, culminando na época medieval, a moral foi sendo amplamente confundida e elevada à categoria jurídica. A Escola de Direito Natural Racionalista veio alterar esta tendência, separando o direito da moral, através de Fichte, Tomásio e Kant.
Os critérios de distinção entre direito e moral são vários, Kaufmann e o Prof. Mário Reis Marques optam pelo: critério de finalidade, critério de exterioridade, critério de heteronomia, critério de coercibilidade, critério de bilateralidade e critério de legalidade.
Segundo o critério de finalidade, o direito está ao serviço da sociedade, avaliando e determinando, a partir de uma escala de valores, de uma dimensão social, a vida comum dos indivíduos; a moral contempla os actos humanos a partir de uma dimensão pessoal, com vista ao aperfeiçoamento do indivíduo. Na situação em apreço, há uma valoração de dois valores constitucionalmente garantidos, o da expressão do desenvolvimento da personalidade da mulher e o da vida intra-uterina, artigo 24º, ainda que haja simultaneamente uma ponderação de valores, dos seus valores, por parte da mulher que aborta.
Já o critério de exterioridade diz-nos que o direito regula acções externas, pondo em relevo o aspecto exterior das condutas; moral regula os actos internos, prestando atenção à intenção, aos motivos do agente e da acção. Porém esta não é uma classificação dicotómica, mas sim gradativa: no direito valora-se o interior desde fora, na moral valora-se o exterior a partir do interior.
Também o critério da heteronomia não é absoluto. O direito é heterónomo porque tem origem numa vontade alheia, é imposto de fora. A moral é autónoma porque, sendo o homem a atribuir a si próprio as regras da sua acção, existe nela auto-legislação, uma auto-vinculação. No entanto, existe também uma vinculação autónoma do cidadão em relação ao direito, tanto mais numa matéria tão delicada como a da maternidade.
A coercibilidade é uma das características do direito, o incumprimento de normas jurídicas dá lugar à sanção, que é tarefa do Estado. As normas morais são incoercíveis, só a nível interno é que existem sanções, como disso é exemplo a culpa e o remorso.
Também na bilateralidade do aborto, na existência de uma mulher que interrompe voluntariamente uma gravidez e no feto abortado, e na própria sociedade que iria integrar o novo ser, reside um argumento para sustentar que estamos, preferencialmente, dentro da esfera jurídica. Há, no entanto, também neste critério uma dimensão moral, que diz respeito à obrigação moral que se dirige à mulher que aborta, enquanto ente individual.
Por fim, o critério da legalidade não se afigura como adoptável, já que tanto o direito como a moral pertencem ao mundo ético-jurídico.
Tendo em conta estes critérios, duas importantes correntes do pensamento jurídico têm diferente entendimento. Os jusnaturalistas entenderiam que o verdadeiro direito é aquele que se ajusta à moral, pelo que o aborto teria o tratamento jurídico que a moral indicasse. O positivismo jurídico aponta para uma total separação entre direito e moral, pelo que esta seria uma questão exclusivamente jurídica. O positivismo moderado de Hart admite uma incorporação, por parte do direito, de valores de índole moral.
A moral não paira em termos positivos sobre o direito. Pode não haver coincidência, e o direito possa abster-se de condenar algumas práticas consideradas imorais, como a prostituição. No caso do aborto, estamos no "espaço livre de direito", uma vez que há uma ausência de valoração, e não falta de regulamentação jurídica, que delimite legalmente as fronteiras dentro das quais o aborto "não é proibido, nem é permitido", o Código Penal limita-se a dizer que "não é punível". Nesta situação, não há uma colisão frontal com uma valoração religiosa, mas também não há uma equiparação da moral à esfera jurídica. É uma opção do direito, uma vez que esta é uma questão jurídica.
No entanto, o Direito traduz aquela parte do normativo social que tutela condutas humanas relevantes para a manutenção de uma convivência social, assente num saudável equilíbrio de interesses, daí que o Prof. Mário Reis Marques fale num mínimo ético, e Kaufmann fale num máximo ético, devido aos meios de coerção de que o direito dispõe e melhor garantem a sua eficácia.
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